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Para quem acha que Hugo Chavez é um ditador, as coisas podem ser o inverso.


DEBATE ABERTO


O smart power dos EUA em ação na América Latina


O intervencionismo dos EUA na América Latina incorporou, em nossos dias, inovações como o uso de novas tecnologias de informação, do poder da mídia dominante e de recursos de marketing para impor sua visão de mundo e mobilizar a juventude do país alvo em causas que interessam a Washington.


Hideyo Saito


O intervencionismo atual dos EUA na América Latina é resultante do aperfeiçoamento da estratégia de “guerra psicológica” formulada na década de 1940 com o objetivo de conter o comunismo no mundo. Incorporou, em nossos dias, inovações como o uso de novas tecnologias de informação, do poder da mídia dominante e de recursos de marketing para impor sua visão de mundo e mobilizar a juventude do país alvo em causas que interessam a Washington. A súbita emergência de um organizado movimento estudantil que contesta o governo venezuelano não é mera coincidência, como mostram precedentes nos países do leste europeu.


Essa política começou a ganhar forma logo após o final da Segunda Guerra, com a criação da CIA, conforme relatou a jornalista britânica Frances Stonor Souders com base em documentos da própria organização (2). A estratégia foi explicada, na época, pelo presidente estadunidense Dwight Eisenhower, da seguinte forma: “Nosso objetivo não é a conquista de territórios nem a subjugação pela força (...) É mais sutil, mais penetrante e mais completo (...) A ‘guerra psicológica’ é a luta pela mente e pela vontade dos homens” (3). Com essa filosofia, a CIA patrocinou, durante décadas, mais de 20 revistas culturais e controlou entidades de fachada em 35 países, promovendo exposições, concursos literários e artísticos, conferências internacionais e outras atividades de grande repercussão. Envolveu intelectuais de renome, de preferência progressistas (desde que não fossem marxistas e, muito menos, simpatizantes da União Soviética), considerados os únicos com credibilidade para destruir a “mitologia comunista”. O que interessava era fomentar um clima internacional favorável aos valores do capitalismo liberal, desacreditando os relacionados ao socialismo.


A América Latina foi contemplada com a revista cultural Mundo Nuevo, editada em Paris com recursos da CIA. Segundo lembrou o jornalista Argemiro Ferreira em seu blog, era uma publicação sofisticada e atraente, que estampava entrevistas e textos de estrelas ascendentes como Gabriel García Marquez, Carlos Fuentes, Cabrera Infante e outros do mesmo calibre. Ferreira cita uma dissertação acadêmica que estudou o papel exercido pela revista, escrita pelo estadunidense Russell St. Clair Cobb, da Universidade do Texas: “Mundo Nuevo, a revolução cubana e a política da liberdade cultural”. Cobb sustenta que a publicação foi criada para combater a revolução cubana, usando uma “retórica de literatura descomprometida e cosmopolita, para se contrapor ao modelo revolucionário da literatura engajada” (4). A “guerra psicológica”, contudo, era apenas parte de uma política muito mais abrangente, que compreendia desde sutis iniciativas para impor uma visão anticomunista de mundo, até brutais ações de assassinato de líderes e de derrubada de governos considerados indesejáveis.


A atual estratégia de propaganda ideológica dos EUA continua marcada pelo mesmo pragmatismo e flexibilidade. Para organizá-la Washington criou, na década de 80, a National Endowment for Democracy (NED), que vem fazendo (mais ou menos) abertamente o que a CIA praticava de forma clandestina. Apresentando-se como órgão dedicado a apoiar os direitos humanos e a democracia, a NED acumula um respeitável histórico de intromissões na política interna de cerca de 90 países da África, América Latina, Ásia e Europa Oriental (5). Ela age em parceria com a Agência para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), o Instituto Nacional Democrata (do Partido Democrata), o Instituto Internacional Republicano (Partido Republicano), além de think tanks (centros de pesquisa) e organizações não-governamentais como Albert Einstein Institution, Freedom House, Ford Foundation, Cato Institute e Open Society Institute (este, do especulador George Soros). Seu braço propagandístico por excelência é a Voz da América (VOA), serviço de radiodifusão internacional do governo estadunidense.


Criada em 1942 como parte do esforço dos aliados para conter o expansionismo nazista, a VOA foi reciclada no imediato pós-guerra para participar do combate ao comunismo no mundo. Continua ativíssima em pleno século XXI, agora com as antenas principais voltadas para a América Latina, especialmente os países mais importantes da Aliança Bolivariana dos Povos da Nossa América (Alba): Cuba, Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua (6). São mais de 1.250 horas semanais de transmissões radiofônicas (programas culturais, educacionais e noticiários) em 45 idiomas, para uma audiência mundial de 134 milhões de pessoas, segundo apregoa a própria emissora. A VOA conta ainda com 319 emissoras de rádio afiliadas na América Latina, sendo 199 na Bolívia, 77 na Colômbia, sete no Equador e igual número no Peru. As demais estão na Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai, Costa Rica, México, República Dominicana, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras e Panamá. No campo da televisão, em que transmite em 24 idiomas, as estações afiliadas somam 95 na América Latina, 23 delas na Colômbia. Todas recebem, gratuitamente, farto material de áudio e de vídeo para suas programações. Finalmente, a emissora estadunidense oferece cursos de capacitação a jornalistas e estudantes de jornalismo latino-americanos (7).


No leste europeu, sustentação a líderes e movimentos alinhados


No governo Barack Obama, como foi explicado pela secretária de Estado, Hillary Clinton, durante sabatina no Senado para a sua confirmação no cargo, a política externa passou a trabalhar como conceito de smart power, que prevê o emprego tanto do hard power (invasão militar, imposição de governos locais e tutela bruta), como do soft power (diplomacia, influência econômica, guerra psicológica e cultural e campanhas de mídia), de acordo com a situação (8). Mas essa política começou a ser testada nos países do leste europeu, envolvendo campanhas de marketing e de mídia, para fortalecer políticas, ideias e lideranças fiéis aos interesses dos EUA. Lá, além das notórias “consultorias” prestadas por economistas neoliberais para a transição à economia de mercado (cujos resultados estão à mostra em nossos dias, com a virtual bancarrota de todos eles), as intervenções encabeçadas pela NED serviram para colocar dirigentes cooptados por Washington no poder, como foi o caso de Vojislav Kostunica na Sérvia. Promoveram também a Revolução Laranja, na Ucrânia, e a Revolução Rosa, na Geórgia.


Em cada caso, consultores especializados analisaram a realidade política local para escolher um movimento considerado promissor (Otpor, na Sérvia, Porá, na Ucrânia...), assim como possíveis partidos políticos e lideranças que passariam a ser objeto de apoio, além de idealizar e ajudar a executar um plano de ação indicado para a situação. Houve um processo de “profissionalização” e fortalecimento do movimento social escolhido, que foi dotado de uma identidade claramente reconhecível e de slogans e materiais propagandísticos de alta qualidade. Jovens passaram por cursos de capacitação como militantes, enquanto mídias e personalidades “independentes” foram alinhadas à campanha. A bola da vez tem sido a Moldávia, onde um trabalho similar ao descrito resultou no aparecimento, em abril de 2009, de um movimento juvenil que se declarou distante de partidos tradicionais e sem ligações com o passado, em suma, “anti-ideológico e puro” – mas que recebeu entusiástico apoio de entidades como a Rádio Free Europe (braço da citada VOA) e o Atlantic Council...


As maiores vitórias dessa política, alardeadas pela própria NED, foram o apoio a Lech Walesa e ao movimento Solidariedade, que acabaram tirando o Partido Comunista Polonês do poder em 1989, e ao grupo Carta dos 77, que levou Vaclav Ravel à presidência da então Checoslováquia, um ano mais tarde. A infiltração estadunidense na Polônia teve início em 1984, através de ajuda financeira para a criação de sindicatos, grupos de defesa de direitos humanos e jornais “independentes”, os quais recebiam ampla divulgação internacional (9). A mesma receita é aplicada em Cuba desde aquela época, com farto financiamento e apoio a potenciais dissidentes, jornalistas “independentes”, defensores de direitos humanos e campeões da liberdade de expressão como a blogueira Yoaní Sánchez, mas sem grande êxito até o momento.


A continuação vou mandando.

Por Ludmila Rodrigues

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